quarta-feira, 24 de abril de 2013


Amor pois que é palavra essencial
Carlos Drummond de Andrade

 

Amor pois que é palavra essencial

Comece esta canção e toda a envolva.

Amor guie meu verso, e enquanto o guia,

Reúna alma e desejo, membro e vulva.

 

Quem ousará dizer que ele é só alma?

Quem não sente no corpo a alma expandir-se

Até desabrochar em puro grito

De orgasmo, num instante infinito?

 

O corpo noutro corpo entrelaçado,

Fundido, dissolvido, volta a origem

Dos seres, que Platão viu completados

É um perfeito em dois, são dois em um.

 

Integração na cama ou já no cosmo?

Onde termina o quarto e chega aos astros?

Que força em nossos flancos nos transporta

A essa extrema região, etérea, eterna?

 

Ao delicioso toque do clitóris

Já tudo se transforma num relâmpago.

Em pequenino ponto desse corpo

A fonte, o fogo, o mel se concentravam.

 

Vai a penetração rompendo nuvens

E devassando sóis tão fulgurantes

Que nunca a vista humana o suportarão

Mas, varado de luz, o coito segue.

 

E prossegue e se espraia de tal sorte

Que, além de nós, além da própria vida,

Como ativa abstração que se faz carne,

A idéia de gozar está gozando.

 

E num sofrer de gozo entre palavras,

Menos que isto, sons, arquejos, ais,

Um só espasmo que nos atinge o clímax,

É quando o amor morre de amor, divino.

 

Quantas vezes morremos um no outro,

No úmido subterrâneo da vagina,

Nessa morte mais suave do que o sono

A pausa dos sentidos, satisfeita.

 

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,

Estendidos na cama, qual estátuas,

Vestidas de suor, agradecendo,

O que a um deus acrescenta o amor terrestre.

 

 

 

 

 

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